29.03.2017

São Francisco de Assis – continuação.

Monk friar blessing with doves in a public cemetery in Southern Brazil.

Dois anos após o combate entre plebeus e nobres, armou-se outro conflito. Agora os nobres da Itália se uniram para não permitir a ocupação do país pelos estrangeiros. E revelaram muita coragem e disposição, lutando com patriotismo para expulsar, inclusive, aqueles que já se encontravam em solo italiano. Diante daquela realidade, Francisco novamente foi invadido pela mesma exaltação febril, porque imaginava que aquela era, de fato, a ocasião que ele aguardava para tornar-se um grande cavaleiro. Alistou-se na guarnição militar e influenciou seus amigos a acompanhá-lo.

Numa bela manhã, partiu com seus companheiros para as Apúlias, local estabelecido para o encontro com a tropa de elite. Tomaram a estrada que passa por Foligno, em direção à Roma. Todavia, em Espoleto, sentiu-se mal. À noite, entre acordado e dormindo, escutou uma voz a lhe dizer: “Quem te pode fazer melhor, ou maior, o senhor ou o servo?” Ao que ele respondeu: “O senhor!” (LTC-cap 2,6).

No outono de 1204 sua saúde começou a se restabelecer. Aos poucos foi reencontrando suas amizades e seguindo com as mesmas brincadeiras e banquetes noturnos, mas seu coração estava inquieto. Francisco compreendeu que deveria abandonar a batalha, voltar para Assis e colocar-se a serviço do Senhor da  terra e do céu. E foi o que fez.

Entretanto, no verão de 1205, começou a perder o entusiasmo por aquela maneira de viver. Gradativamente decidiu se isolar de seus companheiros, impulsionado por uma força interior que dava outra direção à sua vida. Assim, ora se escondia e permanecia por longo tempo em lugares ermos, ora caminhava solitário pelas estradas, pelos campos e colinas. Sua mente trabalhava e um turbilhão de ideias envolviam sua cabeça, mas não sabia o que fazer. Procurava conversar com Deus, fazia perguntas e aguardava, no coração, a inspiração de uma resposta. Dedicou-se à oração e a contemplar as passagens evangélicas da vida do Senhor, principalmente a Encarnação, a Paixão, a Morte e a Gloriosa Ressurreição de Jesus. Então teve a oportunidade  de experimentar o início de uma íntima doçura,que nasceu da conversação com Bernardone que, por causa do negócio de tecidos, ausentava-se com frequência e, por isso, não percebeu a transformação que ocorria no coração do filho. A mãe, por ter uma especial predileção por Francisco, deixava-o livre, para agir de acordo com a sua vontade. Mas as transformações começaram a ser visíveis, primordialmente porque a mudança foi radical: seus amigos foram substituídos pelos pobres,  que passaram a ocupar o seu pensamento e o seu coração. Escutá-los, ouvir suas lamúrias, procurar aliviar as suas angústias, tornou-se uma obsessão para ele.

Mas não suportava olhar para os leprosos, que havia em grande quantidade nas vizinhanças de Assis, porque ficava como estômago virado com aquele cheiro de podre que emanava das chagas dos doentes. Por isso, afastava-se e evitava passar próximo deles.

Certo dia, numa pequena gruta, invocava a Deus como fazia ultimamente, pedia perdão pelos seus pecados e suplicava uma orientação para a vida.. Naquele silêncio, onde só se ouvia o canto dos pássaros, uma voz lhe disse: “Francisco, se quiseres conhecer a minha vontade, deverás desprezar e odiar tudo o que carnalmente amaste e desejaste possuir. Depois que começares a fazer assim, as coisas que antes te pareciam suaves e doces, serão para ti insuportáveis e amargas, e, das que te causavam horror, poderás haurir uma grande doçura e uma suavidade imensa!” (LTC 4, 11)

Estas palavras se enraizaram no fundo de seu coração e se tornaram uma orientação segura para sua existência. Onde estivesse, cavalgando ou andando pelo vale umbro, meditava e refletia sobre  a profundeza do significado delas. Numa manhã, cavalgando solitariamente próximo a Assis, seu cavalo subitamente parou e quis recuar. À distância de uns 20 metros vinha um leproso com a roupa que o identificava. Francisco espantou-se! Seu primeiro impulso foi afastar-se dali. Todavia, ao mesmo tempo, em sua mente vibraram cadenciadas as palavras que tinha ouvido e que guardava no coração: “… das coisas que te causavam horror, poderás haurir uma grande doura…” Ora, que havia no mundo, para ele, mais horrível que um leproso?

Por isso respirando fundo e unindo todas as suas forças, desceu do cavalo, aproximou-se  do leproso, deu-lhe uma  esmola e, piedosamente, beijou-lhe a mão mal cheirosa, coberta de chagas e úlceras. Sua alma tremeu de emoção… Sem saber como, montou o cavalo e com o coração disparado, pulando dentro do peito, seguiu vitoriosamente o seu caminho. O Criador, que sempre cumpre o que promete, inundou-lhe a alma com uma imensa ternura e uma alegria tão transbordante, que lhe permitiu sorrir, dar gritos sonoros de júbilo, abraçar com força e de modo carinhoso o seu animal, comovido e repleto de felicidade, por aquela vitória sobre a sua vontade. Depois, olhando para o céu, disse: “Eu te amo, meu Senhor, eu te amo!”