27.03.2021

O gesto supremo

Istock

Jesus contou com a possibilidade de um final violento. Ele não era um ingênuo. Sabia a que se expunha se continuasse insistindo no projeto do reino de Deus. É impossível buscar com tanta radicalidade uma vida digna para os “pobres” e os “pecadores” sem provocar a reação daqueles aos quais não interessa mudança alguma.

Certamente, Jesus não é um suicida. Ele não busca a crucificação. Nunca quis o sofrimento nem para os outros nem para si mesmo. Durante toda a sua vida se dedicara a combatê-lo onde o encontrava: na enfermidade, nas injustiças, no pecado ou no desespero. Por isso, não corre agora atrás da morte, mas também não se acovarda.

Continuará acolhendo pecadores e excluídos, mesmo que sua atuação cause irritação no templo. Se terminam condenando-o, morrerá também ele como um delinquente e excluído, mas sua morte confirmará o que foi sua vida inteira: confiança total num Deus que não exclui ninguém de seu perdão.

Jesus continuará anunciando o amor de Deus aos últimos, identificando-se com os mais pobres e desprezados do império, por mais que esta atitude cause inquietação nos ambientes próximos ao governador romano. Se um dia o executam no suplício da cruz, reservado para escravos, morrerá também ele como um desprezível escravo, mas sua morte selará para sempre sua fidelidade ao Deus defensor das vítimas.

Cheio do amor de Deus, Jesus continuará oferecendo “salvação” aos que sofrem o mal e a enfermidade: dará “acolhida” aos que são excluídos pela sociedade e pela religião; dará o “perdão” gratuito de Deus a pecadores e pessoas perdidas, incapazes de voltar à sua amizade. Esta atitude salvadora, que inspira sua vida inteira, inspirará também sua morte.

Por isso, a cruz tanto nos atrai a nós, cristãos. Beijamos o rosto do Crucificado, levantamos os olhos para ele, escutamos suas últimas palavras… , porque em sua crucificação vemos o serviço último de Jesus ao projeto do Pai e o gesto supremo de Deus entregando seu Filho por amor à humanidade inteira.

Para os seguidores de Jesus, celebrar a paixão e morte do Senhor é agradecimento emocionado, adoração prazerosa do amor “incrível” de Deus e chamado a viver como Jesus, solidarizando-nos com os crucificados.

(José Antonio Pagola)