14.09.2018

O escândalo de um Messias servo sofredor

O evangelho da missa de domingo, tirado de Marcos, narra a famosa confissão de Pedro em favor de Jesus, bem como o ensinamento acerca de sua identidade – um Messias sofredor – e, finalmente, o anúncio acerca da condição sine qua non para fazer-se seu seguidor ou discípulo.

  • O diálogo de Jesus

O evangelho começa narrando uma viagem estranha: Jesus leva os Apóstolos para um lugar apartado, fora da Judeia e da Galileia, para a região de Cesareia de Filipe. Num primeiro momento, curiosos, perguntamos: por que levá-los para tão longe, fora dos limites de sua terra, além das crenças e tradições de sua gente, para o meio de estranhos e dos pagãos? É que a estas alturas da caminhada e da formação de seus discípulos, Jesus tinha algo de especial, íntimo a tratar, um segredo a dizer e celebrar. Ali, bem distantes das pressões que eles viviam na Judeia e mesmo na Galileia, Jesus poderia fazer-lhes a pergunta mais importante e decisiva da vida deles. E, eles, por sua vez, livres e sem nenhum temor, poderiam responder-lhe o que pensavam Dele.

Antes de mais nada, porém, importa considerar a maneira como Jesus conduz esse encontro, sua admirável pedagogia: o caminho, o método da evangelização e da catequese cristã. Jesus não começa expondo direta, imediata e explicitamente, muito menos impondo a verdade acerca de sua pessoa. Mas, aos poucos, como abelha diligente e reverente, que vai se abeirando do néctar escondido e guardado no âmago da flor, procura despertar e fazer arder no coração daqueles rudes homens uma afeição pura e um interesse gratuito pela pessoa Dele. Em segundo lugar, o que está em jogo não é um “quê”, um objeto, um ideal, uma doutrina ou um valor, mas a verdade de um “quem”, de uma pessoa, do Messias, o Salvador de Israel e de toda a humanidade: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13).

A resposta dos Apóstolos revela que “os homens”, de certa forma, já estavam atraídos por Jesus e encantados por Ele, embora não alcançassem a sua verdade plena. É o que indica as informações reportadas pelos discípulos a respeito da concepção que a multidão tinha de quem era Jesus: “Para uns, João, o Batista; para outros, Elias; para outros ainda, Jeremias ou algum dos profetas”. Para o povo, Jesus era um profeta, um dos grandes, um homem que bem se podia identificar como pertencente à linhagem e à tradição dos grandes profetas. 

Entretanto, as opiniões populares sobre Jesus não eram suficientes para que os discípulos alcançassem e acedessem à verdade da identidade do Mestre, muito menos ainda para que se fizessem seus discípulos, amigos, familiares e íntimos. A confissão de fé deles, portanto, para emergir, precisava ainda de outro apartamento, não corporal, físico, geográfico, mas sim de um apartamento intelectual, espiritual. A confissão de fé, o acesso à verdade de quem era Jesus Cristo, só se lhes tornaria possível quando eles, os discípulos, se apartassem, se desprendessem da confusão dos pareceres, das opiniões dos homens, do mundo, a respeito Dele, o Mestre. Por isso, logo depois segue a segunda pergunta: “Vós, porém, quem dizeis que eu sou?”

  • A confissão de Pedro

Contudo, mesmo os discípulos, por si sós, não tinham ainda conseguido ver e saber quem era Jesus, este homem com quem eles andavam e que tinham por seu mestre. Para eles, Jesus seria alguém muito especial, singular, único, mesmo entre os homens que foram mais íntimos de Deus. Vislumbravam e pressentiam que Ele existia numa relação filial inigualável com Deus e cumpria uma missão ímpar, diferenciada de todos os outros profetas. E, não obstante este vislumbre, que se dava como um raio, que lampejante faz aparecer algo e, logo em seguida, o oculta, os Doze ainda não tinham alcançado uma consciência – um saber, uma sapiência – clara nascida de uma experiência pessoal a respeito da identidade de Jesus.

A confissão de fé, como tal, ainda não podia, assim, emergir, e, com ela, o conhecimento, o acesso à verdade, digamos, a mais verdadeira de Jesus. Ela deveria emergir, justamente, da boca de Simão Pedro que, representando toda a humanidade, falou movido não pela carne nem pelo sangue, mas pelo sopro divino que sai da boca do Pai (Cf. Mt 16,17):  “Tu és o Messias” (Mc 8,29).

O diálogo termina com esta intrigante frase: “Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito” (Mc 8,30). O segredo do Messias deveria ser mantido. Se fosse comunicado antes do evento da Cruz seria fatalmente mal-entendido pelos “homens”. A verdade de Jesus enquanto Filho do Deus vivo só pode se dar através da e na Cruz. Somente aquele que não se escandaliza com a cruz, melhor, com o Messias Servo e Crucificado, pode penetrar em seu mistério.

Qualquer outra concepção do Messias, segundo perspectivas humanas de poder seria não somente humana, mas também satânica, demoníaca. O mesmo se diga de uma concepção de Igreja segundo perspectivas humanas de poder. O mistério de Cristo e Cristo crucificado e o mistério da Igreja andam juntos: só se desvelam no essencial a partir da e na Cruz. Quando queremos outro Cristo que não seja o Cristo pobre, humilde e animado de gratuito e ardentíssimo amor pelos homens, não queremos o Cristo da Cruz, o Cristo quenótico; quando queremos outra Igreja que não seja a Igreja unida a Cristo, como a esposa ao esposo, pelo mistério do esvaziamento da Cruz, nós nos iludimos a respeito da Igreja. E, nisso tudo, nos iludimos a respeito de nosso ser cristão.

Marcos Aurélio Fernandes e frei Dorvalino Fassini, ofm

Easter.  The crucifixion with three crosses in silhouette stand silently on a landscape scene with a dramatic sky in purple hues.  Christianity, religious themes. Copyspace.
Easter. The crucifixion with three crosses in silhouette stand silently on a landscape scene with a dramatic sky in purple hues. Christianity, religious themes. Copyspace.