13.05.2017

Jesus, pela sua morte e ressurreição, se faz o Caminho para a verdade e a vida do Pai.

Idyllic summer landscape in the Alps with fresh green mountain pastures and snow-capped mountain tops in the background, Nationalpark Berchtesgadener Land, Bavaria, Germany.

Introdução

Na celebração do Domingo passado, Jesus terminava seu discurso proclamando: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em superabundância”. Hoje, quinto Domingo da Páscoa, quer nos colocar no Caminho para a Fonte desta Vida em superabundância: o Pai. 

  1. Um lugar para morar

A perícope do Evangelho de hoje, faz parte do grande discurso que Jesus fez no fim de sua passagem e estadia no mundo, na noite da Última Ceia. Sabendo que estava chegando a hora de sua páscoa, isto é, de passar deste mundo para o Pai, começa a preparar os discípulos para a iminência de sua despedida e para entregar-lhes definitivamente a missão para a qual Ele viera prepará-los e ordená-los. Num diálogo de Mestre para discípulos, um tanto enigmático, exorta-os a que não se perturbem, mas que tenham fé em Deus e Nele; Ele partirá, sim, mas irá preparar um lugar para eles na casa do Pai (Jo 14, 1-4).

Sentimentos não apenas de solidão e de orfandade, mas também de medo e de angústia invadem o coração dos apóstolos. Por isso, Jesus insiste para que não O olhem com os olhos da carne, mas da fé que, no visível, vê o invisível: “Vós credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14, 1). A razão desta insistência é porque sabe muito bem do conflito que invadirá seus corações quando for condenado à morte e crucificado. Só a fé será capaz de abrir-lhes o coração para a dimensão límpida do encontro com o Deus vivo e verdadeiro, o Deus da Cruz; um Deus que é Pai sempre pronto para acolher a todos no abismo de seu coração cheio de misericórdia. Por isso, diz Jesus: “na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2). Pois, este é o destino de todo homem: morar, habitar na Casa do Pai.

Morar, porém, mais que um simples e momentâneo ficar, expressa uma convivência tão constante e intensa, tão rica e contínua, profunda e íntima que, a exemplo do matrimônio, um vai assimilando a identidade do outro: o homem se tornando cada vez mais de Deus e Deus se tornando cada vez mais do homem. Assim, os discípulos, cada um a seu modo e medida, receberão da doação superabundante e sem medida do Pai, isto é, toda a riqueza de sua deidade. São Francisco, ao falar desta doação, quando na Exposição do Pai Nosso reflete a frase “venha o teu reino”, reza assim: “para que Tu reines em nós pela graça e nos faças chegar ao teu reino onde manifesta é a visão de ti, perfeita a dileção, bem-aventurada a comunhão e sempiterna a fruição” (EPN 4).  

  1. Como saber para onde Jesus vai

A partida de Jesus, portanto, tem um objetivo muito claro: preparar um lugar para os discípulos na casa do Pai. Consequentemente, o caminho Dele deverá ser, também, o caminho deles. Por isso, termina a primeira parte de sua exposição dizendo: “E para onde eu vou vós conheceis o caminho”.

2.1.Eu sou o caminho

Tomé, porém, surpreso e sem entender muito do que o Mestre estava falando pergunta por todos: “Senhor, nós não sabemos para onde vais, como poderíamos saber o caminho? ” (Jo 14, 5). Era justamente isto que Jesus queria: despertar neles o desejo pelo caminho do Pai. Só então, pode confiar-lhes: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim’” (Jo 14, 6).

Estamos diante de uma resposta contundente e de uma importância incomensurável não só para eles, mas também para toda a humanidade. Trata-se, enfim de prepará-los e convocá-los à fé na Cruz para que assim, depois, também eles possam encontrar a vida na morte, a força da salvação na Cruz.

Jesus se declara, pois, o caminho, a verdade e a vida. Santo Agostinho comentando esta declaração diz que “o Verbo de Deus, que com o Pai, é verdade e vida, fez-se o caminho assumindo a humanidade”. E conclui convocando: “Caminha por esta humanidade para chegar a Deus, porque é preferível tropeçar neste caminho, que marchar fora da reta via”.

Cristo, portanto, é caminho, via, através de sua humanidade, que é também a nossa. O caminho para alcançar, pois, a verdade e a vida, que é Deus, que tanto ele mesmo, quanto o Pai, o são, é segui-lo na dinâmica da encarnação. Encarnação que não é só um feito do Filho de Deus, mas, também, graça e tarefa para todo o homem. Encarnar-se quer dizer entrar na finitude, experimentar essa finitude não como finitude des-graçada, mas, ao contrário, como finitude a-graciada, na gratidão do amor. Sendo humanos como Jesus, na experiência da jovialidade de uma finitude agraciada, é que nós alcançamos o divino. Esta experiência de Cristo como um modo de caminhar a viagem da vida é tão decisiva que, na origem do cristianismo, a sua cristidade foi denominada de “o Caminho” (At 9, 2; 18, 25; 24, 22)[1].

Portanto, este caminho, diz o Senhor, sou Eu. Assumindo os desafios da finitude e fragilidade humana através da minha Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição, trago o Pai até o homem e carrego e sustento o andar e o peregrinar do homem rumo à casa paterna.

2.2.Eu sou a verdade

Assim, seguindo pelo Cristo caminho, chegamos ao Cristo verdade: “Eu sou a verdade”. No evangelho de João, a verdade é um tema recorrente e insistente. Isso porque para ele, João, a verdade que Jesus revela e testemunha, é a realidade, ela mesma: o Pai. Crer em Jesus é, pois, conhecer a verdade, o Pai. Não há, aqui, contraposição entre crer e conhecer. Crer é conhecer, é co-nascer, nascer com, ter ou comungar da mesma gênese, da mesma origem: é ser de Deus, ser em Deus e permanecer Nele (Jo 15, 4; 17, 21). O contrário disso tudo é caminhar na escuridão, isto é, na ignorância e na ilusão, no vazio, na falsidade (o nada que pretende ser alguma coisa) e na mentira; é fechar-se para a luz, alienar-se de uma compreensão autêntica de si mesmo e fugir da origem da própria existência. É viver no autoengano, é morrer. Neste caso, em vez de ser de Deus e ser em Deus, o homem é no mundo e do mundo, da terra, das coisas de baixo, do diabo. E, nesse ser-de baixo, ele se arruína no não-ser, no nada negativo do pecado e da morte eterna.

Falando deste mistério, assim se expressa Santo Agostinho:

“Ora, como já dissemos, Deus por meio da carne vem entre os homens, isto é, a verdade vem encontrar a mentira: Deus é, de fato, verdadeiro, enquanto todo homem é mentiroso. E quando se subtrai à vista dos homens para subir lá onde não há mentira, elevou a sua carne, isto é, a si mesmo por meio da carne, e retornou à verdade, isto é, mais uma vez, a si mesmo”.

2.3.Eu sou a Vida

Mas, Cristo é também a vida: “Eu sou a Vida”. Com esse enunciado somos atingidos em cheio em nossa identidade mais profunda, pois nós vivemos a vida, mas não somos a vida. Se vivemos, portanto, mas não somos a vida, a vida que vivemos só pode ser de outrem, a vida de Jesus Cristo que se diz: Eu sou a Vida. Portanto, vivemos a vida como que por empréstimo, de aluguel. Por isso, o homem estará sempre no envio de sua origem, o Pai.

Por isso, aqui, vida não tem um sentido genérico ou apenas biológico. Pois, se a vida que somos e vivemos nos é dada gratuitamente, viver, para o homem, deverá ser sempre expressão ou fruto de uma afeição ou amor. Ou melhor, vivemos do amor de quem nos amou antes e por primeiro como, por exemplo, de nossos pais e avós. E se voltarmos atrás, ou melhor, para a raiz de todos os nossos antepassados não haveremos de encontrar nenhuma outra razão ou origem, nenhuma outra vida senão a vida Daquele que nos desejou, viu e pensou antes, desde toda a eternidade; Daquele que por nós se apaixonou e por isso nos chamou para segui-Lo. Eis nossa vida!

Nesse sentido viver será sempre uma aventura muito arriscada e difícil porque implica necessariamente responder a um chamado que transcende todas as possibilidades humanas. Assim, ao exclamar “Eu sou a Vida”, Jesus procura alertar seus discípulos para a verdade mais verdadeira de sua identidade: são discípulos de um grande Senhor não porque Ele apenas veio ao encontro deles, mas, também porque Ele continua sendo a fonte, a força, a inspiração originária do Pai.

  1. Eu estou no Pai e o Pai está em mim

Jesus como bom mestre, alcançara com aquele diálogo seu primeiro e grande objetivo: incendiar no coração dos discípulos o ardente fogo da Paixão do Pai e pelo Pai. Daí o pedido de Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta”. Jesus sabia, muito bem, que sem esta Paixão jamais poderia contar com eles como verdadeiros discípulos seus e testemunhas de sua Boa Nova: o caminho de volta para o Pai através da Cruz.

Felipe havia já admirado, contemplado seu Mestre, mas apenas em sua humanidade. Jamais imaginara que em vendo aquele nazareno estivesse vendo o Pai. Assim, um tanto perplexo, ouve de Jesus a resposta: “Eu estou convosco há tanto tempo, e entretanto, Felipe, não me reconheceste? Aquele que me viu, viu o Pai. Por que dizes: ‘Mostra-nos o Pai’? ” (Jo 14, 9).

O alerta de Jesus vale para todos. A exemplo de Filipe, pode-se estar lado a lado com Ele ou viver a vida inteira na Igreja, dizendo-se cristão ou católico sem perceber a quem estamos buscando ou seguindo e, consequentemente, sem saber a quem devemos amar e doar nossa pessoa.

Filipe não vê o Pai porque ainda não entendeu bem o que é e como é ser discípulo. Não percebera ainda que, para ser discípulo é preciso soltar-se todo, inteiramente, atrás do mestre sem porquê nem para quê. O dia em que ele fizer isso verá Jesus não apenas segundo as aparências da carne, mas segundo a verdade do espírito e verá também o Pai.

Por isso, quando o Senhor diz isso para Filipe, não está dizendo que Ele é um meio ou um intermediário, mas uma presença do próprio Pai, de modo que vendo Jesus vejo o Pai, tocando Nele estou tocando no Pai, conversando com Ele estou conversando com o Pai, recebendo a Ele estou recebendo o Pai, etc. Portanto, se a Paixão de Cristo é a Paixão do Pai, logicamente outra não pode ser a Paixão do discípulo de Cristo. Daí a razão de sua insistência: Se me conhecêsseis conheceríeis também meu Pai. Em outras palavras, diz Jesus, vocês ainda não me viram e muito menos me conheceram. Enfim, ainda não sabem quem eu sou.

A linguagem continuava obscura, dura e inacessível para eles porque, mesmo após três anos de convivência e de catequese, seus corações continuavam pesados e endurecidos vendo Jesus apenas a partir das aparências imediatas e factuais, dos padrões tradicionais que a religião estabelecera e, principalmente, a partir de suas expectativas particulares individuais e grupais. Por isso, não conseguiam ver segundo o espírito a Paixão que se escondia e se mostrava, ao mesmo tempo, nos inúmeros e admiráveis sinais e prodígios de bondade e de misericórdia que Ele operava, bem como da incontestável autoridade de seus discursos, gestos e atitudes.

Jesus respeita a lentidão do processo de aprendizagem discipular dos seus discípulos. Já havia despertado neles uma profunda simpatia e admiração carnal, para usar uma linguagem paulina. Chegara a hora, porém de prepará-los para o passo definitivo e decisivo: acordá-los para um seguimento espiritual, isto é, limpo e puro, sem medidas e sem interesses próprios. Mas, para isso era necessário incendiar-lhes o coração com um novo fogo: o Pai.

  1. Quem crê em mim fará coisas ainda maiores do que as que eu faço    

No fim da perícope, lida no Evangelho de hoje, nós ouvimos Jesus exclamar jubiloso e esperançoso: “Em verdade, em verdade, vos digo, aquele que crer em mim fará também as obras que eu faço; ele fará até obras maiores, porque eu vou para o Pai” (Jo 14, 12). Isto é surpreendente. Como entender que o discípulo fará “até obras maiores”?

Entre as diversas razões destacamos duas elencadas por Santo Agostinho. Segundo ele, grandes e admiráveis foram as obras realizadas por Jesus, numerosas foram as multidões que o seguiram quando viveu conosco. Mas, nem de longe são comparáveis com aquelas que, com o seu retorno para o Pai e o envio do Espírito Santo, acontecerão e se difundirão em toda a terra, por todas as nações e ao longo de todo o tempo através da ação evangelizadora de seus seguidores, a Igreja.

Além do mais, ainda segundo o mesmo Santo, deve-se considerar que, se grande fora a obra da criação, bem maior é a obra da salvação da humanidade. Pois, se a obra da criação requer poder, a obra da salvação requer poder e misericórdia. O mundo criado há de passar. Mas os salvos hão de permanecer no novo céu e na nova terra. Por isso, as últimas palavras de Jesus no Evangelho de hoje não são de tristeza, pela despedida, mas de esperança e júbilo: “Eu vou para o Pai”.

Se durante trinta e três anos a obra da salvação foi com Ele, agora estará nas mãos de seus seguidores, a Igreja. Por isso disse: “aquele que crer em mim fará as obras que eu faço… e fará ainda maiores!”

 5.  As primícias da ação evangelizadora 

As duas leituras da missa de hoje nos fazem mergulhar para dentro do espirito originário da ação evangelizadora dos apóstolos e dos seus frutos nas primeiras comunidades cristãs

a.  O cristianismo antes de religião diz ágape

Os apóstolos e os primeiros cristãos, não falavam em “religião” nem conheciam este termo Aliás, nem mesmo Jesus nunca lhes havia falado explicitamente sobre este assunto. Nunca imaginaram que com eles estivesse nascendo uma nova religião. Também, nunca se preocuparam em dar um nome aquele movimento que ia crescendo ao seu redor. “Eles viviam ainda sob o impacto da lembrança de Jesus que sentiam vivo no meio deles” (O Caminho aberto por Jesus, São João, José Antônio Pagola, pág. 192). Sua maior preocupação era viver fielmente o que Ele lhes confiara durante toda a sua vida, principalmente na Última Ceia: que fossem Um como Ele, o Pai e o Espírito Santo são Um. Três diferentes, unidos, melhor, um, porém, na e pela mesma doação. Aliás, esta doação – a “Charis”, a caridade – passou a ser a marca mais profunda e mais expressiva daquelas comunidades.

Não há nenhuma dúvida que as primitivas comunidades cristãs – a Igreja – nasceram da profunda e dolorosa experiência da ausência física de Jesus. Com sua Ressurreição, porém, Ele introduz um novo modo de fazer-se presente: pelo amor recíproco, pelo amor aos inimigos e pelo amor que é capaz de doar a própria vida em favor de outrem. Na primeira leitura da missa de hoje podemos ver como os primeiros cristãos levavam a sério este princípio: Todos, mesmo ou principalmente os diferentes, devem ser acolhidos e incluídos na “koinonía” (comunhão) do amor.

“Religiosidade não se reduz a religião. Diz, sobretudo, ágape, enquanto desprendimento de todo e qualquer poder na liberdade de todos os filhos de Deus. É o reconhecimento e aceitação do mistério presente em todos os homens e todos os seres. Tal é também o vigor histórico que sai do lema da cruz: ‘Jesus Cristo Filho de Deus Salvador’” (E. Carneiro Leão).

b.  Cristãos outros cristos

Na segunda leitura, Pedro apresenta a Igreja como “Templo espiritual” no qual cada discípulo é uma “pedra viva”. Mas todas as pedras se alinham e se ajustam a partir da definição e da orientação da “pedra de ângulo”, que é Cristo. O mesmo Cristo que foi “pedra de escândalo” para os que não creram, se tornou “pedra de ângulo” para a edificação do Templo espiritual daqueles que nele creram. Que Jesus Cristo crucificado, rejeitado pelos líderes judaicos de Jerusalém, tenha se tornado a pedra angular de uma nova humanidade, da Igreja, que reúne, como pedras vivas, homens de todos as tribos, línguas, povos e nações, só pode ser obra de Deus.

Conclusão

Numa época em que a Igreja se propõe uma renovação radical, “in capite et in membris” (na cabeça e nos membros), nunca é demais insistir que esta renovação não pode procurar ou seguir nenhum outro Caminho, nenhuma outra Verdade, nenhuma outra Vida senão o Caminho, a Verdade e a Vida dados e estabelecidos pelo próprio Pai das misericórdias: Jesus Cristo, seu Filho muito amado, com a Boa Nova de sua crucificação e ressurreição.

Só assim, chegaremos, aos poucos, a desfazer o distanciamento (oposição) entre Igreja-Cristianismo e Jesus Cristo, expresso, muitas vezes, em afirmações como: “Jesus Cristo sim, Igreja não”; só assim, estaremos colaborando para o fortalecimento “da consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos” (LS 202).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e frei Dorvalino Fassini, ofm