04.05.2019

Da Eucaristia para a missão e da missão para a Eucaristia, pois assim como a Eucaristia faz a igreja a igreja faz a Eucaristia.

Silhouette Fisherman Fishing by using Net on the boat in morning in Thailand, Nature and culture concept
Shutter2U – Istock

 

Introdução

Dentro do objetivo do Tempo pascal de celebrar os principais mistérios da Paixão e Ressurreição de Cristo, o domingo de hoje nos leva a contemplar o mistério da missão, intimamente ligada a Eucaristia, ao amor; ou, se quisermos, da eucaristia, do amor intimamente ligados à missão. Tudo isso, envolvido pela conhecida e admirável pesca que Pedro fez sob a ordem de Jesus.

  1. Testemunhas da Ressurreição (At 5,27b-32.40b-41)

A primeira leitura, tirada dos Atos dos Apóstolos, começa assim: “Naqueles dias, os guardas levaram presos os apóstolos e os apresentaram ao sinédrio”. Sucede-se, então uma tensa altercação. O sumo sacerdote, irritado, acusa os apóstolos, porque ao contrário do que lhes havia proibido, estavam “enchendo a cidade de Jerusalém com o anúncio da ressurreição Daquele que eles – os sumos sacerdotes – haviam mandado matar, pregando-o numa cruz.

Pedro, então, liderando o grupo, responde que “é preciso obedecer a Deus, antes que aos homens” e que eles eram testemunhas de tudo aquilo não a partir deles, mas do Espírito Santo. Então, depois de açoitados, mais uma vez, foram proibidos de que falassem em nome de Jesus. A narrativa termina com esta bela conclusão: “Os apóstolos saíram do conselho, muito contentes, por terem sido considerados dignos das injurias, por causa do nome de Jesus”.

  O contraste entre os maiorais de Jerusalém e os apóstolos acerca do apreço de Jesus é gritante. Para os primeiros, cheios de desdém, Jesus não passa de um desprezível “esse homem”. Para os apóstolos, porém Jesus é “aquele que Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o guia supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados”.

Estamos diante da essência do querigma cristão: o vigor, o fogo, o entusiasmo, a alegria do reencontro dos Apóstolos com Jesus Cristo crucificado-ressuscitado, vivo no meio deles e que movidos pelo Espírito Santo se sentem honrados de dar testemunho da sua presença. Aquele “homem” que os sumos sacerdotes haviam crucificado como inimigo de Deus e do Povo estava começando a fazer história. Não está morto. Não é nenhum fantasma e nem, muito menos, uma fantasia. Toda a cidade estava falando de Jesus, graças à pregação e o testemunho deles, os Apóstolos. Era o reconhecimento e a glorificação de Jesus, mas também, de um lado, a perseguição de seus seguidores, antigos e novos e, por outro lado, a condenação daqueles que haviam levado Jesus à morte de cruz. Pois, aquilo que parecia uma derrota passou a ser uma vitória, uma morte uma vida.

Eis o primeiro anúncio – o querigma – do qual nasce a Igreja, a nova humanidade, a nova criação. “Primeiro”, aqui tem o sentido de fonte, origem, princípio para a qual se deve voltar sempre de novo. Acerca da importância deste querigma assim se expressa nosso Papa: “Como gostaria de encontrar palavras para encorajar um estado evangelizador mais ardoroso, alegre, generoso, ousado, cheio de amor até ao fim e feito de vida contagiante! Mas sei que nenhuma motivação será suficiente, se não arde nos corações o fogo do Espírito” (EG 261).

Acerca deste princípio lemos de São Francisco: “Depois disso, começou a pregar a todos a penitência, com grande fervor de espírito e alegria da alma, edificando os ouvintes com a linguagem simples e a nobreza de coração. Sua palavra era um fogo devorador, que penetrava o âmago do coração e a todos enchia de admiração” (1C 23).

  1. O louvor e a dignificação do Cordeiro imolado (Ap 5,11-14)

A segunda leitura, tirada do Apocalipse, faz parte do enigmático livro “escrito por dentro e por fora, selado com sete selos”. Trata-se do livro da história da humanidade, o livro do sentido da vida – diante do qual não se encontrava ninguém digno de abrir e romper os selos do seu significado a não ser a misteriosa figura do Cordeiro imolado.

A mensagem parece bastante clara: Cristo, o Cordeiro imolado, morrendo na cruz, revela o quanto Deus ama seus filhos, sua história e o quanto os homens devem amar seu Deus. Um amor que não apenas perdoa e reconcilia, mas também que cria e recria céu e terra, fazendo surgir um novo paraíso. Eis o livro que Cristo abriu com sua morte-ressurreição. Por isso, o capítulo termina com um hino litúrgico de exaltação e adoração do Cordeiro por parte não apenas dos anjos, mas também, “de todas as criaturas que estão no céu, na terra, de baixo da terra e no mar, e tudo o que neles existe”. A Igreja, se associa a esta adoração em sua Oração da Tarde em diversos dias da semana, repetindo, em forma de refrão e de enlevo: “Poder, honra e glória ao Cordeiro de Deus”. 

  1. Na missão a eucaristia e na eucaristia a missão (Jo 21,1-19)

O mistério de Cristo celebrado neste Domingo com uma nova, aparição de Jesus ressuscitado, se desenvolve em três momentos bem distintos, mas todos interligados pela missão de apascentar suas ovelhas confiadas por Jesus ao amor de Pedro, ao amor da Igreja.

3.1. As duas pescarias

No primeiro momento encontramos as duas pescarias. Na primeira houve frustração total, pois apesar de terem labutado a noite toda não pescaram nada. Na segunda ao contrário, feita ao amanhecer e num curto espaço de tempo, nem conseguiam arrastar a rede para fora por causa da quantidade de peixes. O que significam tais pescarias e a que se deve tal diferença?

A tradição cristã sempre considerou a pescaria nos textos e na linguagem evangélica como imagem da obra evangelizadora de Jesus e da Igreja. Vale lembrar que esse simbolismo foi usado pelo próprio Mestre ao concluir o chamado dos seus discípulos: “Vinde após mim, e Eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4.,19). Ora, na primeira tentativa não houve pescaria porque Pedro e companheiros foram pescar por iniciativa própria, em seu próprio nome e à noite quando impera o reino das trevas, do pecado, isto é, na ausência da luz que é Jesus Cristo ressuscitado. Nós, por nós mesmos, com nossas pescarias, evangelizações feitas a partir de nós mesmos, não atraímos ninguém para Deus e para seu Reino. 

Com o amanhecer, Jesus se faz presente. Ele está na margem. Os discípulos ainda não o reconheceram. Só o reconheceram, depois de ouvirem e seguirem docilmente suas orientações. A fé nasce, portanto da escuta e da obediência. Foi a partir deste ato de fé que João, o discípulo a quem Jesus amava, ainda na barca e de longe pôde descobrir que aquele desconhecido à margem da praia era “o Senhor”.

  Este é o perigo que sempre acompanha a Igreja e os cristãos: querer fazer Igreja, evangelização a partir de si, esquecendo o Senhor da Igreja e de toda a evangelização. Enfim, só a presença de Jesus ressuscitado é que pode dar eficácia à vida e à ação evangelizadora da Igreja e de todo cristão. Por isso, diz nosso Papa: a Igreja cresce mais por atração do que por proselitismos.

3.2. A refeição

Ato contínuo à pesca vem a refeição. “Vinde comer” diz-lhes Jesus. E em seguida Jesus se aproximou, tomou o pão e distribuiu-o entre eles. E fez a mesma coisa com o peixe”. A narrativa tem endereço certo: mostrar que a eucaristia era celebrada pelos primeiros cristãos com a absoluta convicção de que nela se fazia presente de modo real e vivo o próprio Jesus, como Ele o prometera na Última Ceia.

Junto com a cena da refeição há ainda a menção da quantidade de peixes: Cento e cinquenta e três peixes: o número que simboliza a totalidade. Assim, Cristo ressuscitado presente na eucaristia é aquele que, através da Igreja, reúne uma grande e única universalidade – a humanidade toda – composta de povos diversos e diferentes. É devido a essa unidade na totalidade e diversidade, que vem do Cristo ressuscitado, que as redes, isto é, a Igreja não se rompe.

3.3. A tríplice confissão de Pedro  

Na terceira parte, finda a refeição, Jesus estabelece o famoso diálogo com Pedro. Um interrogatório acerca de seu amor para com Ele – Jesus. Por que a Pedro e somente a ele? Porque não a Tiago, o mais idoso ou a João, o mais amado? Estranha a escolha pois em nenhum momento aparece que ele tenha demonstrado uma adesão absoluta e confiável a Jesus. Pelo contrário, foi o que mais contestou e o primeiro que negou o Mestre publicamente.

Jesus lança-lhe então, a pergunta primeira e fundamental, não apenas para segui-Lo, mas também para merecer a confiança do Pastor e das ovelhas: “Simão, filho de Jonas, tu me amas mais do que estes?” Pedro, em sua simplicidade e pureza, responde: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. E assim por mais duas vezes, a mesma pergunta de Jesus e a mesma resposta de Pedro e a mesma réplica de Jesus: “Apascenta as minhas ovelhas”, seguindo-se a observação de que na terceira vez, Pedro ficou triste porque Jesus lhe fizera a mesma pergunta por três vezes.

Certamente, Pedro se lembrara das três vezes que o negara por ocasião da prisão de Jesus.  O diálogo revela onde está o acento para todo e qualquer pastoreio na Igreja. Jesus não pergunta a Pedro se ele se sente forte, capacitado, inteligente, sábio, competente, formado, preparado para apascentar seu rebanho. Aqui, importa um único critério: o amor-doação a Jesus como Ele se doou ao Pai e aos homens. Eis o que capacita o discípulo para bem conduzir, orientar, guiar, animar e fortalecer suas ovelhas. Se não há amor-doação não haverá jamais evangelização, por mais capacitado que o seguidor esteja. Mas, se há amor e pouca capacitação o bom evangelizador fará tudo o que estiver ao seu alcance para capacitar-se.

Enfim, não é o seguimento que faz a pessoa a amar, mas o contrário, o amor é que leva o discípulo a abandonar tudo e a seguir Jesus. Por isso, a conclusão de Jesus acerca do futuro de Pedro: “quando fores velho estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres ir… Segue-me”. 

Conclusão

Tudo, na celebração de hoje gira em torno:

– de uma pesca milagrosa, porque feita em nome de Jesus;

– de uma refeição que tem como prato principal e único: pão e peixe;

– de uma única pergunta de Jesus a Pedro, repetida três vezes: “Simão Pedro tu me amas?”, seguida de um ordenamento, também repetido três vezes: “Apascenta minhas ovelhas” e com a grande conclusão: Então “Segue-me!”

 Como todos os domingos da Páscoa, também este tem como objetivo mostrar e celebrar a beleza do amor salvífico de Deus manifestado na, pela e com a presença viva de Jesus Cristo crucificado-ressuscitado. Neste Domingo sua presença é celebrada como Missão-Eucaristia-Amor: três aspectos ou dimensões de um único mistério, de uma única e mesma vida.

Missão significa a grande missa, a grande eucaristia, o grande amor, a grande festa da Igreja, de toda a humanidade e de toda a criação. Como diziam os antigos: Se por um lado a Igreja faz a Eucaristia, o amor, por outro lado, a eucaristia, o amor fazem a Igreja. Assim uma evangelização sem a eucaristia, sem o amor, sem a Igreja é vazia, é nada. Mas, também, uma eucaristia, um amor, uma Igreja sem evangelização-missão é vazia, um nada.

O milagre da pescaria no mar de Tiberíades, aqui não é dito, mas também ele aconteceu no primeiro dia da semana, hoje denominado dia do Senhor. Por isso, segundo nosso Papa, domingo é o dia de reunir as duas dimensões da Igreja, a missionária e a celebrativa: “Este dia, à semelhança do sábado judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O domingo é o dia da Ressurreição, o «primeiro dia» da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada” (LS 236).

Fraternalmente,

(Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini)