28.02.2020

“Não porás à prova o Senhor teu Deus”. (Mt 4,1-11; Gn 2,7-9; Rm 5.12-29; Sl 51)

Estamos no início do Caminho Quaresmal. Neste tempo litúrgico, inspirados pelo tema da Campanha da Fraternidade 2020, teremos a oportunidade de experimentar um modo de viver em que a verdadeira liberdade terá a chance de se expressar. Quaresma pode ser escola de vida para o restante do ano; é tempo favorável para “ordenar a própria vida” na direção do sonho de Deus para toda a humanidade. Para que esse processo de “ordenamento” aconteça, o tempo litúrgico quaresmal nos convida a “considerar” nossas relações vitais: com Deus, com os outros, com o mundo e conosco mesmos.

No Evangelho, fala-se das “práticas quaresmais” da oração, esmola e jejum, nas quais nossas relações são iluminadas e questionadas pelo modo de proceder de Jesus.

São três gestos que nos humanizam e tornam a vida mais leve e com sentido; eles condensam o sentido da vida cristã e apresentam-se como alternativa privilegiada para viver com mais intensidade.

A vida é um abrir-se aos demais (esmola), sintonizar-se com o coração de Deus (oração) e colocar ordem na própria existência (jejum).

É preciso criar espaço novo no coração e na mente, para que coisas novas aconteçam.

Nem sempre sabemos viver de maneira intensa: conformamo-nos com uma vida restrita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”. O dinamismo do Seguimento de Jesus, no entanto, é gerar vida, possibilitar que o (a) discípulo(a) viva a partir da verdade mais profunda de si mesmo, ou seja, viva a partir do coração. O seguimento proporciona vigor inesgotável; nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão…

Para Jesus, a “vida” é uma totalidade, que é já a vida presente, a vida atual, mas uma vida que tem tal plenitude, que, com toda razão, podemos chamar de “vida eterna”, enquanto é uma vida com tal força e tão sem limites, que nem a morte mesma poderá com ela.

Por isso, o sinal decisivo de que alguém que crê no Deus de Jesus, está na vida que leva, ou seja, está na experiência de viver como viveu Jesus de Nazaré. Distanciar-nos da vida superficial – consumista e eleger a vida plena, profunda, comprometida.

Aqui está o sentido do “percurso quaresmal”.

Desde sempre, a humanidade inteira e cada um de nós estamos expostos à tentação. Faz parte de nossa condição humana. Trata-se de um conflito que trava a existência por dentro.

Por um lado, sentimos o apelo e o impulso para o bem, para a liberdade, para o compromisso e a fraternidade. Mas, por outro, sentimos também a sedução e a tendência ao egocentrismo, ao prestígio e aos instintos de poder e posse. Sentimo-nos simultaneamente santos e pecadores, oprimidos e libertos.

As tentações sempre estão diante de nós, como pedras que se convertem em pães, como aplauso buscando a partir dos critérios do mundo, ou como joelhos que se dobram diante das promessas de um ídolo com pés de barro.

São dinamismos que bloqueiam o fluxo da vida, impelindo-a de se expandir e de se colocar a serviço de outras vidas.

Ser tentado é próprio do ser humano, mas o que é divino pode também ser encontrado em nosso interior:

Quem se deixa conduzir pelo Espírito é capaz de acessar a própria interioridade e não se deixa enredar pelos estímulos externos.

O Evangelho de hoje insiste em que Jesus se deixa conduzir pela força do Espírito; por isso, vive uma integração a partir de Seu coração e não se deixa levar pelas aparências enganosas.

O que parece claro é que Jesus, depois do batismo, buscou o deserto para um tempo de discernimento, em oração, em solidão, diante do Pai que o proclamou seu Filho, sob o impulso do Espírito; Ele teve de refletir e discernir sobre o modo como assumiria sua missão em sua vida pública.

Como viver sua missão e a partir de que lugar? Buscando seu próprio interesse, ou escutando fielmente a Palavra do Pai? Como deverá atuar? Dominando os outros ou pondo-se a seu serviço? Buscando sua própria glória ou a vontade de Deus? Centrando sua vida na busca de poder e riqueza ou assumindo uma vida pobre, como expressão de solidariedade com os mais excluídos?

Aqui, também precisamos nos perguntar: Qual é a nossa tentação? O que é que nos seduz?

Nossa liberdade sente-se movida e atraída em duas direções. A cena das “tentações de Jesus” desvela (distingue, põe às claras…) os dois dinamismos, duas tendências, dois impulsos…que se fazem presentes em nosso interior (um de alargamento ou expansão de nós mesmos em direção aos outros e de Deus; e outro de fechamento, autocentramento, resistência e medo).

A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos alimentamos; é aqui que entra a liberdade (ordenada) para deixar-nos conduzir pelo Espírito. O centro é o Espírito.

Trata-se de sermos dóceis para nos deixar conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entendemos e não sabemos. É Ele que ativa o que há de melhor em nós, expandindo nossa vida em direção aos valores do Reino: desapego, serviço, esvaziamento do ego.

Diante das tentações do poder, do ter e do prestígio, o(a) seguidor(a) de Jesus responde com a partilha, o serviço, a comunhão, a solidariedade… O tempo quaresmal vem ativar esse dinamismo expansivo. E a Campanha da Fraternidade nos motiva a fazer da vida um grande dom e um profundo compromisso.

  • Com minha imaginação, deixo-me conduzir pelo Espírito ao deserto para estar junto com Jesus.
  • Diante de “Jesus tentado”, recordo experiências pessoais de tentação: quais são aquelas que mais me afetam? Como procedo para não me deixar conduzir por elas?
  • Converso com o Senhor sobre aquilo que o texto bíblico despertou em mim.
  • Recordo dimensões da vida que precisam ser ampliadas a partir da experiência do deserto.

Minha vida: risco da aventura ou medo asfixiante? Contínua surpresa ou perene rotina?

  • Termino a oração fazendo sua revisão e anotando os sentimentos que brotaram do encontro com Jesus no deserto.

Oração: Suplico a graça para que, por meio da luz da Palavra, eu possa conhecer-me mais a fundo, tomar consciência de tudo o que atrofia e limita a minha vida e, com a ajuda de Deus, remover todos os obstáculos para que a vida nova pascal se expresse em sua plenitude.

Fonte: Retiro Quaresmal – p. 30-33