06.11.2017

Como noivas cheias de amor aguardemos vigilantes a vinda do esposo Jesus

Pretty bride with bridesmaids on white dresses with bouquets on hands at wedding day.

Introdução

Nunca como hoje, nos últimos séculos, somos despertados pela Igreja de que o encontro com Jesus Cristo é o princípio e o sentido de toda a nossa vida e missão cristã, nossa alegria e júbilo maior (Cf. EG). Por isso, as três leituras de hoje nos convocam à sabedoria vigilante ou, se quisermos, à vigilância sábia a fim de que jamais percamos nenhuma de suas visitas; que sejamos como virgens ou noivas sábias e prudentes, sempre preparados para abrir-lhe a porta de nosso coração quando vier, seja nos acontecimentos do nosso cotidiano, seja no último dia de nossa vida terrestre.

  1. A sabedoria vem ao encontro de todos os nossos projetos

A primeira leitura de hoje é um pequeno trecho do livro da “Sabedoria de Salomão”, mais precisamente, da segunda parte que traz um “Elogia à Sabedoria” (Sb 6, 1 – 11, 3). Salomão convida os grandes do mundo, os reis, a entrarem na escola da sabedoria israelita, que é a sabedoria da fé e que traz salvação. Uma de suas novidades é a personificação da Sabedoria. Seria, no caso, um simples recurso poético? De qualquer forma, a Sabedoria é celebrada como uma potência que preexiste à criação e que está junto de Deus (Cf. Sb 9, 9) e que procede da boca do Altíssimo (Cf. 24, 3.10.23). Neste caso, vem a se identificar com a Palavra criadora de Deus. Por isso, depois, muitos, como São Francisco, dizem que “Jesus Cristo é a verdadeira sabedoria do Pai” (2CF 67).

O pequenino trecho começa: “A sabedoria é resplandecente e sempre viçosa, incorruptível”. Isso significa que ela não apenas está na origem do homem e de cada criatura, mas também que é ela quem forma o homem e o transforma. Enquanto tudo o que é do homem envelhece, se corrompe e corrompe, ela e tudo o que dela se origina jamais muda, porque é sempre originária e a tudo faz rejuvenescer. Por isso, diz: “Ela até se antecipa, dando-se a conhecer aos que a desejam” (Sb 6,13). Não é por acaso que, depois, São Francisco a coloque como princípio de sua “Saudação das Virtudes”, exclamando: “Ave, rainha sabedoria, o Senhor te salve com tua irmã, a santa e pura simplicidade”. E, no final desta mesma Saudação, volta a exclamar: “Ave, vós todas santas virtudes infusas, pela graça e iluminação do Espírito Santo, nos corações dos fiéis, fazendo-os de infiéis em fiéis de Deus” (SV 1). Aqui podemos aplicar o que Santo Agostinho diz acerca da justiça: o homem justo pode deixar de ser justo; mas a justiça ela mesma não deixa nunca de ser justiça… O mesmo diga-se da sabedoria: o homem pode deixar de ser sábio, mas ela, a sabedoria, jamais deixará de ser Sabedoria, uma vez que ela “é imortal” (Sb 1, 15).

Em referência aos versos: “Quem se levanta cedo para a reencontrar não se afadigará. Sim, ela se encontra sentada à sua porta” (v. 14) e: “pois ela perambula em busca dos que lhe são dignos…” (v. 17), Eckhart tece diversos comentários. Entre eles destacamos este: Se alguém busca a Sabedoria é digno da sabedoria e a sabedoria é digna dele.

A última sentença diz: “Pois ela mesma – a Sabedoria – sai à procura dos que a merecem e, cheia de bondade, aparece-lhes benevolamente nos caminhos e vai ao encontro deles em cada um de seus pensamentos” (Sb 6, 16). Como não ver aqui um presságio da graça, do amor!? Pois, são eles que sempre tomam a iniciativa, como diz Jesus: “ninguém pode vir a mim se não for atraído pelo Pai que me enviou” (Jo 6,44). Neste sentido, a Sabedoria poderia ser comparada a uma jovem que, com seu encanto sai pelas ruas e praças da cidade arremetendo seus olhares aos homens para que assim aquele que a desejar possa contemplá-la e encontra-la com facilidade. Em verdade, “ela, se manifesta aos homens em todas as obras para que através das coisas visíveis sejam conduzidos às invisíveis” (São Gregório). E ainda acentua que ela o faz, “cheia de bondade” (v16).

Segundo a lei da natureza, tudo aquilo que é buscado, enquanto permanece escondido e não se revela, oferece fadiga. A fadiga diminui, porém, quando aquilo que se busca começa a aparecer e a manifestar-se. Como não recordar aqui, o que diz o Anjo da Igreja de Laodicéia: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e me abrir a porta, eu me achegarei a ele, cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20).

Enquanto a primeira leitura fala de Deus que busca o homem, o Salmo de hoje fala do homem que busca Deus: Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa e sem água.

Santo Agostinho comenta dizendo que o desejo é a sede do coração. Nós estamos no deserto do mundo. Tenhamos, pois, sede de Deus.

  1. O banquete nupcial do encontro definitivo com Cristo

Ao ouvirmos Jesus em seus discursos, aos observarmos seus atos e sentimentos, constatamos sempre uma única e grande preocupação: que todos conhecessem e aceitassem o grande desejo do Pai de reunir todos os homens como numa solene festa de casamento. Por isso, na liturgia de hoje, se proclama a parábola das 10 virgens.

2.1. As virgens que esperam o noivo

Se a primeira leitura falava da sabedoria vigilante, o evangelho de hoje fala da vigilância sábia. A parábola, revestida com a roupagem da alegria do ritual dos casamentos judaicos de outrora, faz parte do “discurso escatológico” de Jesus (Mt 24-25). Mateus, provavelmente, recordou-se desta parábola num dos momentos mais cruciais da vida da Igreja primitiva: era necessário reavivar o ânimo de muitos fiéis que começavam a sucumbir e a perder a fé diante das cruéis perseguições a que, então, eram submetidos. E Jesus, o Rei, o esposo cuja volta lhes fora prometida parecia estar longe. Era necessário recordar o fim, o sentido último de sua vida: Jesus – o noivo – pode demorar, mas sua vinda é certa embora inesperada; que nada, nenhum sacrifício se compara com o júbilo, a alegria de poder entrar para a solene festa final semelhante à festa de um banquete nupcial.

Como na parábola da “veste nupcial” (Mt 22,11-12), também aqui, o acento está na exortação: que estejamos preparados a fim de podermos receber o noivo e participar de seu banquete.

As “Dez moças”, amigas da noiva (madrinhas do casamento), estão divididas em: prudentes e insensatas. Mateus já tinha concluído o primeiro discurso do seu evangelho, o Sermão da Montanha, falando do homem prudente, que constrói sua casa sobre a rocha, e do homem insensato, que a constrói sobre a areia (7, 24-27). Prudência é inteligência prática: tino, juízo; saber decidir e ser capaz de agir conforme esta decisão sábia. E, segundo o Evangelho, prudente é o homem que ouve a palavra de Jesus e a põe em prática; insensato é quem não o faz. “Não é o que diz ‘Senhor, ‘Senhor’ que entrará no Reino dos céus, mas o que ouve a palavra de Deus e a põe em prática” (Mt 7,20-21).

A parábola das “Dez virgens ou moças” fala, pois, da necessidade de estar preparado para o encontro definitivo com Cristo na sua parousia (vinda definitiva). Os prudentes são os que vão ao encontro do Cristo preparados; os insensatos, os que não estão preparados.

2.2. A Igreja, a humanidade como Reino de Deus

Quanto ao “Reino dos céus”, aqui, Gregório Magno observa que no presente momento, é a Igreja (Cf. Mt 13, 41). Esta parábola, assim, se aplica à Igreja como um todo. O esposo é Cristo, o Deus encarnado. E a esposa a humanidade com a qual o Filho de Deus se uniu, pela sua encarnação e pela qual deu sua vida na Cruz e agora no banquete eucarístico. Ou, numa outra interpretação, a própria Igreja. Mas, certamente, mesmo nesta interpretação, a Igreja representa toda a humanidade com a qual o Filho de Deus, por meio de sua encarnação, quis se unir. Os cristãos são como as amigas da noiva. Entre esses há os que se preparam – virgens prudentes – e os desleixados – virgens imprudentes – que nada fazem para se preparar e que, por conseguinte jamais poderão entrar para a festa e para o banquete de casamento.

A parábola, portanto, para o cristão, expressa uma forte exortação à necessidade de estar preparado para o Grande Dia do encontro definitivo com Jesus, tanto de cada um em particular no dia de sua morte terrena como comum a todos os homens no fim dos tempos.

2.3. Sono e falta de óleo

As virgens insensatas, portanto, correspondem àqueles fieis que creem, mas que não vivem de modo justo, isto é, não praticam as boas obras da misericórdia e não se perfazem nas virtudes próprias de um seguidor de Cristo, o sábio e prudente por excelência (Cf. Mt 6, 16). Por isso, têm apenas um pouco de óleo nas suas lâmpadas. Nada o suficiente para caminhar para o encontro do noivo… As moças prudentes, porém, são os fiéis que não só creem, mas também apresentam boas obras a partir das virtudes, conforme São Jerônimo. Santo Agostinho, porém, vê no azeite da lâmpada uma figura da alegria, conforme diz o Salmo (44/45,8): “Amas a justiça, detestas o mal, por isso Deus, teu Deus, te ungiu com um óleo de alegria, de preferência a teus companheiros”. Já, para Orígenes, o óleo é a palavra divina que confirma na fé e que ilumina com as boas obras.

O foco da narrativa, porém, não está no fato de as jovens terem adormecido. Isto é normal. Depois de um logo dia ou semana de trabalho, o homem precisa descansar e dormir. O centro da narrativa está no fato de que “No meio da noite, ressoou um grito: ‘Eis o Esposo! Saí ao seu encontro!’”. Cristo vem quando não se sabe e quando não se espera. Vem de repente, numa hora intempestiva. Por isso, mesmo quando vai descansar ou dormir deve fazê-lo, sempre com as vasilhas cheias com o “óleo” do ardor da esperança. O que importa, então, é que o homem não retarde sua conversão deixando-se levar pelo vício da “acídia”. Orígenes vê nesta passagem do Evangelho uma alusão a este vício capital. Tomás de Aquino ensinava que a acídia é uma tristeza. Esta tristeza pode estar na base seja do ativismo (agitação), quanto na base da inércia. São Francisco diz que a acídia é o modo de ser dos homens “mortos de coração” e “negligentes em começar as coisas boas e em completar as começadas” (SC 22). Na verdade, tais pessoas são como mortas.

 A hora da chegada de Cristo – hora da celebração do matrimônio sagrado – é, segundo Santo Hilário, quando Deus e a natureza humana serão definitivamente um – quando Deus será tudo em todos e a baixeza de nossa carne será transformada na glória espiritual: a ressurreição. As bodas são a aquisição da imortalidade e a união da corrupção com a incorrupção por um novo consórcio entre Deus e o homem (Santo Hilário).

Soa então o momento do juízo final, de que fala Mateus no mesmo capítulo 25 e as moças néscias descobrem que o azeite que trazem não basta para fazer o cortejo ao Esposo. Tentam então obtê-lo das moças prudentes. Estas, porém se recusam, pois poderia vir a acabar para as outras e para elas mesmas e o Esposo ficaria sem o cortejo nupcial. Isto é: no juízo, as obras dos outros de nada nos servirão. A cada um servirão só as próprias obras. Não se compensam os vícios próprios com as virtudes dos outros. Ou seja, a preparação para o banquete é sempre pessoal e insubstituível.

2.4. Não vos conheço

As moças descuidadas saem para procurar o azeite. Quando voltam, encontram a porta já fechada. O tempo da penitência, da misericórdia, da aprendizagem, tinha passado. Portanto, é sempre preciso ver a preciosidade do tempo que cada um tem a seu dispor. Depois do juízo não tem mais lugar para as boas obras e a justificação: a porta está fechada (Jerônimo). De que então serve invocar agora Aquele que antes fora negado com as obras?

A resposta do Esposo é: “não vos conheço”. Esta fala também lembra a conclusão do Sermão da Montanha: “Nunca vos conheci, afastai-vos de mim, vós que cometestes a iniquidade” (7, 23). Bonhoeffer comenta:

“Nunca vos conheci”. Este é, portanto, o segredo mantido desde o início do discurso da montanha até esta conclusão. Esta somente é a pergunta: se somos ou não conhecidos por Jesus.

Neste ponto subsiste só ainda a sua palavra: Eu te conheci. Esta é a sua palavra eterna, o seu eterno chamado… Mas, o que é ou o que fazer para ser conhecido pelo esposo? Responde Bonhoeffer:

Quem, no seguimento, não se atém a outra coisa e não se apega a outra coisa que não seja esta palavra, deixando perder todo o resto, terá o sustento desta palavra no juízo final. A sua palavra é a sua graça[1].

No fim das contas, fica a advertência: “Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora”. Santo Agostinho comenta: “Não só ignoramos em que tempo deve vir o Esposo, mas também a hora da morte, para a qual cada um deve estar preparado, e mesmo preparado, será surpreendido quando soa aquela voz, que despertará a todos”.

Conclusão

            A busca pelo sentido último da vida, do homem e da história, sempre foi, é e será uma das ocupações ou preocupações mais agudas e penosas de todas para todos. Sim, onde todos, homens e criaturas, vamos parar? Jesus responde: na festa de um grande banquete de casamento preparada pelo meu Pai e na qual eu serei como um noivo, um esposo para toda a humanidade.

Mas, para poder participar desta festa é preciso que todos e cada um, a exemplo das virgens prudentes, cheguemos àquele dia preparados; “que não larguemos jamais o ardor evangélico pelo gozo espúrio, mundano de uma autocomplacência egocêntrica; que não neguemos a nossa história de Igreja que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo trabalho é ‘suor do nosso rosto’ (EG 96). Que não nos afastemos jamais da “verdadeira luz, Nosso Senhor Jesus Cristo… a verdadeira sabedoria do Pai” (São Francisco, 2CFi,67).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm

[1] Sequela, p. 181-182.