16.12.2017

Alegrai-vos porque o Senhor está para chegar e com Ele a sua paz

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Introdução

 Ao acendermos, hoje, a terceira vela da coroa do Advento, acende-se em nós com mais intensidade a alegria evangélica. O Senhor está para chegar e com ele sua paz. Por isso, o domingo de hoje é chamado “Domingo da Alegria” e a antífona que nos introduz neste mistério reza: “Alegrai-vos: Ele está bem perto. Sim, alegrai-vos sempre mais no Senhor” (Fl 4,4.5).

  1. Dois ungidos anunciam o futuro e único Ungido e sua obra salvadora

No título, “Domingo da Alegria” pode-se perceber que aqui não se trata de qualquer alegria, mas da alegria do Senhor, pois o termo “domingo” vem, justamente, da palavra “Senhor”, no latim “Dominus”. Neste sentido, esta alegria, não se assenta numa ideia, num sentimento, numa doutrina, mas na graça do encontro com a Pessoa, chamada Jesus Cristo, “Alegria dos homens” (Bach), e cuja nova vinda está, de novo, mais próxima do que nunca. Sendo do Senhor, primeiramente, ela vem a nós dentro de uma história e de uma oferta ou graça que precisa ser recebida e, em segundo lugar vem endereçada a todos os homens e a todas as criaturas.  

1.1. O profeta Isaías e seu anúncio do futuro Messias

Quem nos introduz no mistério da alegria cristã, celebrada hoje, é o profeta Isaias: O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres…

O mistério da unção marca toda a caminhada da história sagrada do povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento. Desde Jacó – que aspergiu óleo sobre a pedra que lhe serviu de travesseiro na noite em que o Senhor lhe apareceu em sonho – até o dia de hoje, a unção sempre expressa uma presença especial e marcante de Deus principalmente quando se trata de pessoas.

Todas as unções, tanto do antigo como do novo Testamento, porém tem como único objetivo preparar o ungido para acolher o Senhor, o Ungido por excelência, o Messias, e assim ordená-la, capacitá-la para poder anunciar e testemunhar sua missão messiânica. Por isso, a relação entre o mensageiro e o Espírito é toda própria: o Espírito sobrevém a ele e dispõe dele para si. O Espírito não se assenta simplesmente na interioridade do ungido, mas sobre ele. No livro de Isaías isso aparece em momentos significativos: assim se expressa o profeta sobre o “rebento de Jessé” (Sobre ele repousará o Espírito do Senhor… – Is 11, 1); assim o Senhor mesmo se expressa sobre o “Servo”, o seu Eleito (…Eis o meu servo que eu apoio, o meu eleito, ao qual minh’alma quer bem, pus sobre ele o meu Espírito – Is 42, 1); e assim se expressa o próprio ungido, na primeira leitura de hoje (Is 61, 1: O Espírito do Senhor está sobre mim…). A sua luz vem do alto, de cima, a fim de que aprenda a orientar-se a partir do Senhor e não de si. Nisso está o penhor de seu testemunho e missão: levar a alegre mensagem aos humilhados (pobres), enfaixar os corações quebrados, gritar aos cativos: “liberdade!”, aos prisioneiros: “deslumbramento!” da claridade que chega aos que estão presos à escuridão da pobreza de si mesmos e do seu pobre mundo.

Diante de tão grande efusão do Espírito sobre sua pessoa e de tantos benefícios emanados desta graça, o ungido não se contém: “Exulto de alegria no Senhor e minh’alma regozija-se em Deus…”

  • O ungido que viu, batizou e testemunhou o próprio Ungido
    1. Mas, quem é este mensageiro, este ungido anunciado pelos profetas e tão esperado e desejado pelo Povo de Deus? A resposta nos começa a ser dada por João Batista na perícope do Evangelho de João proclamada na Missa de hoje. Primeiramente, importa que vejamos bem a figura de João Batista, pois em sua pessoa se encontra também nossa vocação-missão.

1.2.1. João, o gracioso de Deus

     No evangelho de hoje, o evangelista faz questão de começar sua narrativa ignorando a origem de João Batista justamente para que fique bem claro que este “homem era um enviado de Deus” para dar testemunho de Jesus Cristo, o qual, por sua vez, era, sim, um homem também, mas era mais do que um simples homem: “era o Verbo” (Jo 1, 1), o “Filho único cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14).

Seu nome, tem a ver com seu envio: Iohanan, “O Senhor Deus é gracioso”. Ele foi enviado para dar a conhecer ao mundo a graça, que era oferecida aos homens, no Messias (Ungido) de Deus: Jesus Cristo. Ele veio para dar testemunho da luz, que era o Filho unigênito de Deus, Jesus Cristo. Não que o Cristo necessitasse de tal testemunho. Quem precisava deste testemunho eram os homens: para que cressem no Cristo e a Ele aderissem no amor.  João foi enviado não para que os homens cressem nele, mas para que, por meio dele, do seu testemunho, cressem no Cristo, que estava para vir, pois “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1, 4).

Este era o seu ofício, o seu ministério. O mensageiro não fala a partir de si, mas d’Aquele que o enviou para anunciar.

1.2.2. Ele e não eu

Na verdade, o que se disse acima, foi “o testemunho (martyría) de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para o questionar: ‘quem és tu?’” (v. 19). Eles estranhavam o seu aparecimento e se perguntavam sobre a autoridade a partir da qual ele, João, batizava e propunha um batismo de conversão.

  • Uma série de “não”

João pertencia a uma família sacerdotal. Mas não agia como sacerdote. Agia como? Como um profeta? Como o próprio Messias (Cristo)? Em face a esta expectativa, ele faz uma declaração sem restrição: “Eu não sou o Cristo”. São Gregório comenta: João negou claramente o que não era, porém, não negou o que era. Disse, pois, a verdade a respeito de si mesmo. São João Crisóstomo considera que os judeus manifestavam certo respeito por João, o que não acontecia em relação a Jesus. João era de família sacerdotal, da Judeia. Jesus é filho de um carpinteiro, da Galileia (Cf. Mt 13, 55). A João eles enviam pessoas ilustres para o interrogar: sacerdotes e levitas, não quaisquer, mas de Jerusalém. A Jesus, enviam servos e herodianos.  Não entendiam, então, como João se colocasse abaixo de Jesus.

“E eles lhe perguntaram: ‘quem és tu?’ És Elias? Ele respondeu: ‘Eu não sou Elias’” (Jo 1, 21). Como conciliar, pois, esta palavra de João, aqui, com aquela de Cristo, que diz: “se quiserdes compreender-me, ele é o Elias que deve voltar” (Mt 11, 15)? São Gregório Magno esclarece, evocando a menção do pai de João, o sacerdote Zacarias, que disse: “e ele mesmo caminhará à sua frente, sob os olhos de Deus, com o espírito e o poder de Elias” (Lc 1, 17). João, pois, não era a pessoa de Elias, mas agia com o modo de ser e com a virtude profética de Elias. De fato, esperava-se que o profeta Elias, às vésperas do Juízo Final, viesse fazer aos homens uma última exortação penitencial (Cf. Ml 3, 23; Sr. 48, 10-11). João nega que fosse Elias em pessoa, em carne e osso. Pois o entendimento deles era carnal. Mas realizava, em sentido espiritual, a missão de Elias: a exortação à penitência em face dos últimos tempos.

Eles seguem perguntando: “‘És tu o Profeta?’. Ele respondeu: ‘não’”. No livro do Deuteronômio escutamos a fala do Senhor que diz a Moisés: “É um profeta como tu que suscitarei do meio dos teus irmãos; porei minhas palavras em sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar” (Dt 18, 18). Querem saber se João é não um profeta, mas o profeta. Com isso, visam a um mediador entre Deus e os homens, que, como Moisés, transmitiria a vontade de Deus a estes. João, no entanto, reconhece que esta missão de mediador não pertencia a Ele, mas sim ao Cristo. E, por isso, responde: “não”.

  • Uma série de “sim”

Perturbados interiormente, porque na verdade eles não estavam interessados na verdade e sim apenas em condenar a pessoa e em impugnar o trabalho do batista, os enviados dos maiorais de Jerusalém prosseguem: “Quem és tu? (…). Que dizes de ti mesmo?”. E João responde: “Eu sou a voz daquele que clama no deserto: ‘aplanai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías”.

João era a voz, Cristo, a Palavra, o Verbo de Deus, “que estava voltado para Deus”, que “era Deus” (Jo 1, 1). A voz soa para que se possa ouvir a Palavra. João era a voz, que precedia a Palavra. Era o precursor: sua missão era preparar os homens para ouvir a Palavra, o Verbo encarnado de Deus. Orígenes observa que João não era a voz que clama no deserto; ele era, antes, a voz d’Aquele que clama no deserto. João era a voz que ressoava em favor de Cristo: “endireitai o caminho do Senhor”. São Gregório esclarece: o caminho do Senhor é endireitado em direção do coração quando se ouve com humildade a Palavra da verdade e se a põe em prática na vida.

Os enviados dos judeus, indagam, então, a João pela autoridade com que ele batiza: “Se tu não és o Cristo, nem Elias, nem o Profeta, por que batizas?” (Jo 1, 25). O escopo deles não era colher a verdade, mas impedir que João seguisse batizando. O batismo de João parecia-lhes, pois, um atrevimento. Com mansidão e humildade, porém, João responde: “Quanto a mim, eu batizo na água. No meio de vós está aquele que vós não conheceis; ele vem depois de mim e eu nem sou digno de desatar a correia da sua sandália” (Jo 1, 26-27). Ele era um precursor do Cristo, no anúncio da graça e no batismo.

João aponta para a excelência do Cristo. Nem pode haver comparação entre ele, João, e este, Cristo. O “não ser digno de desatar a correia da sua sandália” quer dizer: João nem mesmo pode se colocar entre os seus servidores mais humildes. A humildade de João é a sua grandeza. Quanto mais humilde, quanto menor um homem se fizer, tanto maior ele é diante de Deus. No entanto, aqueles que, uma vez inaugurado o Reino, na ordem da graça, seguem o menor dos menores, o Máximo que se fez mínimo, Jesus Cristo, são maiores do que Ele. Por isso, depois, São Francisco, quando precisou escolher um nome para si e seus irmãos, disse e escreveu na Regra: “Quero que esta fraternidade seja chamada Ordem dos Irmãos Menores” (1C 38).

“No quarto evangelho, o Batista é reduzido ao essencial… Sua voz não nasce da estratégia política nem dos interesses religiosos. Vem do que o ser humano escuta quando se aprofunda no essencial. O pressentimento do Batista pode resumir-se desta forma: ‘Há algo maior, mais digno e esperançoso do que o que estamos vivendo. Nossa vida deve mudar radicalmente. Não basta frequentar a sinagoga todo sábado, não adianta nada ler rotineiramente os textos sagrados, e é inútil oferecer regularmente os sacrifícios prescritos pela lei. A religião, seja qual for, não dá vida. É preciso abrir-se ao mistério do Deus vivo” (O caminho aberto por Jesus – João, José Antônio Pagola, pág. 27).

  • Uma alma que exulta de alegria

A liturgia de hoje não podia ter escolhido melhor texto para meditar e aprofundar a alegria do anúncio da proximidade da Vinda do Ungido e Salvador dos homens – a alegria evangélica – do que o famoso “Magnificat” de Maria. O Ungido sobre o qual repousa o Espírito do Senhor anuncia a sua alegre notícia do bem-querer de Deus (evangelho) aos pobres. A primeira representante, porém, destes pobres do Senhor é Maria.

Também sobre ela, “eleita pelo santíssimo Pai do céu, a quem consagrou com seu santíssimo dileto Filho, pousou o Espírito Santo Paráclito” (São Francisco em SVM). Diante de tão inaudito mistério não podia fazer outra coisa senão proclamar, alto e bom som: “A minha alma engrandece o Senhor e se alegrou o meu espírito em Deus meu salvador, pois Ele viu a pequenez de sua serva…”.

Engrandecer Deus significa pensar grande somente Dele e não pedir nada para nós mesmos. Disso se pode concluir que Maria teve muitos motivos para cair e pecar. “Assim ter escapado da arrogância e da vaidade não é um milagre menor do que ter recebido esses bens. Você não percebe o quanto é maravilhoso esse coração? Como mãe de Deus, Maria se vê elevada acima de toda as pessoas. Mesmo assim ela continua tão simples e serena, que não teria considerado nenhuma empregada inferior a si. Somos gente pobre! Por isto é lamentável que usemos esse precioso cântico de modo completamente destituído de força e graça. Cantamos apenas quando estamos bem; mas quando as coisas vão mal, termina o canto. Em seu relacionamento com Deus, há uma grande diferença entre o rico e o pobre. Enquanto o segundo é capaz de louvar a Deus quando nada tem, o primeiro não é capaz de louvá-lo mesmo quando cheio de bens”.  (Magnificat, o louvor de Maria, Lutero, Sinodal, Santuário, pág 34 e 36). 

Maria torna-se assim o protótipo dos pequeninos, dos pobrezinhos, dos humildes e humilhados (anaviîms), isto é, dos desprovidos de poder. São os que estão fora de todo esquema, de todo o plano, do poder. Da gratuidade e da graciosidade de Deus em favor destes é que surge um mundo próprio, um novo mundo, uma nova humanidade, o “reino de Deus”. Deus tem uma especial predileção por este ser humano, este vivente, vulnerável, que estremece, que se aflige, que tem que suportar e padecer agruras, necessidades, privações, desamparos, que “caminha curvado e enfraquecido, com o olhar desfalecido e a alma faminta[1]. Ele ama os humildes com ternura. Aqueles que conhecem o frêmito da vida. Os de “substância vexada”[2]. Os que caminham em “temor e tremor”. Eles se tornam o templo, a morada, o habitáculo onde repousa o Espírito do Senhor. O estremecimento, aqui, é fraqueza e ternura. É o toque do nada do mistério e do mistério do nada, o sentido do ser, que, na experiência da fé, como em São Francisco, se dá com o nome de Senhora Pobreza.

  • Uma exortação à alegria

A comunidade dos tessalonicenses andava um tanto perturbada e desapontada. Perturbada porque o Senhor que tanto desejavam ver e encontrar estava tardando a voltar e desolada porque alguns de seus membros haviam morrido sem a graça do encontro com o seu Senhor.

É neste contexto que Paulo procura exortá-los: “Irmãos: estai sempre alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias… que tudo aquilo que sois – espírito, alma e corpo – seja conservado sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo! Aquele que vos chamou é fiel”.

“Espírito” significa, aqui, aquela dimensão de nossa pessoa, a mais elevada, nobre e profunda, digamos, assim, a mais próxima de Deus e que por isso nos capacita a compreendê-Lo, a admirar suas maravilhas e seus mistérios. Em resumo, espírito é a casa onde mora Deus, a fé e onde ouvimos sua voz e lhe respondemos. “Alma”, por sua vez, é o mesmo espírito, mas na função de dar vida ao corpo, ao mundo. E “corpo”, por fim, é a alma enquanto executa, dá forma, dá corpo àquilo que ela, a alma, reconhece e o espírito crê.

Conclusão: Uma nova etapa evangelizadora marcada pela alegria do Evangelho

Na caminhada que a Igreja vem fazendo, desde o vaticano II, toda empenhada em retornar à beleza e ao vigor de suas origens, chegamos hoje à seguinte exortação do Papa Francisco: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos” (EG 1).

É evidente que não se trata de qualquer alegria, muito menos da alegria do mundo e nem mesmo da alegria do mundanismo religioso, espiritual (Cf. EG 93-97), mas da alegria que nasce da visita e do encontro com Cristo. Por isso, logo acrescenta: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar” (idem, 3).

Além do mais, atendendo ainda o apelo do mesmo Papa para que façamos de São Francisco nosso modelo de evangelização, não podemos esquecer o legado que este santo nos deixou. Nos impressiona por quantas vezes vem referida a palavra alegria nas Fontes Franciscanas. Nas “Concordâncias Franciscanas”, editadas pelos Franciscanos da Guatemala, por exemplo, esta palavra ocupa nada mais e nada menos que 8 páginas, perdendo apenas pela palavra “pobreza” com 11 páginas. Mas, principalmente, não podemos deixar de recordar o famoso fioretto da “Perfeita Alegria”, também conhecido como “Ensinamento de São Francisco a Frei Leão que só na cruz seja a perfeita alegria” (Fi 8; Atos, 7).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino fasssini

[1] Cfr. Br 2, 13-18

[2] Cfr. As falas de Riobaldo, o herói de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa: “pobre tem de ter um triste apego à vida. São árvores que pegam poeira”… “Não me envergonho de ser de obscuro nascimento…” “órfão de conhecença e de papéis legais”… “Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas”. Ele fala de sua “substância vexada”, de sua vida “sem apego nenhum, sem pertencências”.