20.05.2017

6º DOMINGO DA PÁSCOA

Man who looks like Jesus Christ

 

Introdução

Como no domingo passado, também hoje, 6º Domingo da Páscoa, Jesus continua preparando os discípulos para a sua despedida. No famoso discurso da Última Ceia procura explicar-lhes o novo testamento, a nova aliança que Ele está para selar com eles e através deles com toda a humanidade e, através desta com toda a criação. E, para confirmar a nova aliança Ele, de sua parte, promete enviar-lhes um Defensor e Consolador – o Espírito da Verdade – e eles, por sua vez, deverão amá-Lo guardando e observando seus mandamentos.

. Compromissos de Jesus o testador

  1. Todo testamento ou aliança implica compromissos mútuos: do testante e do herdeiro.

1.1. Jesus nos lega seu Amor

No testamento do evangelho de João, Jesus comunica a seus discípulos seu propósito mais decidido, seu desejo mais ardente, sua vontade mais profunda, confiando-lhes o “mandamento novo” – o “amai-vos uns aos outros” – que tem como medida e sentido o “como eu vos amei” (Jo 13, 34-35).

Depois, Jesus tem um diálogo com os discípulos sobre o seu retorno para o Pai. Neste diálogo, que ouvimos no domingo passado, Jesus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6); e acena para a intimidade de seu relacionamento com o Pai: “Aquele que me viu, viu o Pai… Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14, 9.11). Tudo isso ele o diz e o confia a eles, procurando encorajá-los para a fé: “credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14, 1). Eis a quota primeira e mais fundamental da nova Aliança, confiada por Cristo aos seus discípulos.

São Francisco chama esta aliança de “Sacrum Commercium” (Comércio Sagrado). A essência de todo comércio é o enriquecimento mútuo. No caso, Cristo, Deus, se enriquece (!) com a nossa pobreza e nós nos enriquecemos com a sua deidade. Ele se torna humano e nós divinos, deuses.

Commercium é, aqui, também tomado no sentido de um intercâmbio, que se realiza na forma de uma aliança, de um pacto de fidelidade mútua entre cavaleiros, entre o Senhor e seus vassalos. Cristo é, para São Francisco, o Grande Senhor, a quem ele serve no amor. Ele, ao nos chamar para segui-lo, nos faz participar do seu Reino, tornando-nos membros de sua coorte. Mas para podermos bem viver, como convém, nesta coorte, é preciso seguir a lei fundamental deste Reino: o “amai-vos uns aos outros”… “como eu vos amei”. Neste Reino, portanto, não se trata de poder e dominação, mas, do não-poder e do serviço. Por isso, o testamento de Cristo com os seus, o seu pacto de fidelidade, foi celebrado com o gesto do lava-pés.

O mandamento do amor, portanto, não é apenas exigência, é também, e antes de tudo, graça. É a oportunidade de estar na comunhão, na aliança, com Cristo. O mandamento de Jesus é fruto do seu amor para conosco e nos interpela para uma correspondência, apela para uma resposta, que não é outra que uma resposta de amor. O mandamento, pois, é dado e recebido na liberdade do amor, que tem a sua própria necessidade. Mestre Eckhart dizia:

Se alguém me impõe o que me faz bem, o que me é útil, e se é onde mora a minha felicidade, isso me é extremamente amável. Se tenho sede, a bebida se me impõe; se tenho fome, a comida se me impõe. E assim faz Deus, sim me impõe o que me faz tão bem, me impõe o que todo esse mundo não me pode oferecer um igual. E quem saboreou seja apenas uma vez essa doçura, não pode, em verdade, afastar-se, com o seu amor, da bondade e de Deus, assim como Deus não pode afastar-se de sua deidade; sim, é-lhe até mais fácil sair de si mesmo e de toda a sua bem-aventurança e então permanecer com seu amor junto à bondade e junto de Deus (Sermão 27).

1.2. Não vos deixarei órfãos

No discurso de Jesus, sente-se arder em seu coração o desejo mais íntimo e a vontade mais profunda de toda a sua vida: que seus discípulos possam se ligar a Ele na sua destinação, no seu caminho, na busca e na realização do mesmo sentido de vida que o destinou; que sua morte na cruz se constitua numa nova aliança em palavras e em obras com todos os seus seguidores, presentes e futuros.

Jesus, porém, sabe muito bem que o sentimento de orfandade, o vazio, o oco, a dor, provocada pela ausência Dele, que se tornara para eles amigo, Mestre e Senhor, certamente irá invadir o coração de todos eles – aliás, já invadia, no pressentimento do fim iminente. Sentir-se-ão jogados no mundo, desamparados, desvalidos, à mercê da indiferença e da hostilidade e da maldade dos homens. Este era, pois o sentimento de seus discípulos neste momento da iminência de sua separação. A partir donde, então, eles poderiam encontrar coragem para a travessia da vida? Onde encontrar a jovialidade, a alegria de viver, se a tristeza enlutada estava já tomando conta de seus corações? Por isso e para isso é que Jesus lhes diz: “Não vos deixarei órfãos. Eu voltarei a vós … e vós me vereis de novo, porque eu vivo e vós vivereis”.

No Antigo Testamento, entre os mais pobres dos pobres, estão os órfãos, quase sempre nomeados junto com as viúvas como lemos no salmo 145: “Ele ampara o órfão e a viúva”. Santo Agostinho dizia que órfão em grego equivaleria a “puppilus”, isto é, pupilo. Assim, o Filho de Deus com o mistério de sua encarnação, morte e ressurreição veio tirar-nos da orfandade a que nos jogara Adão com sua desobediência, tornando-nos, também a nós como Ele, pupilos de seu Pai. Não somos mais órfãos porque, por pura gratuidade, recebemos a adoção de filhos. Gratuitamente nos foi dada a graça de nascer de novo, de nascer, agora, do alto, do Espírito, para pertencermos à comunidade de amor, que é a Trindade. Foi-nos dada a graça de sermos filhos no Filho, com o Filho, como o Filho Unigênito.

. Compromissos do herdeiro

Portanto, o que une o Pai, o Filho, isto é, Jesus Cristo, e os seus discípulos, é o amor. Um Amor especial, que os antigos chamavam de agápe ou charis: amor-doação-sacrifício-cruz-eucaristia.  Para os discípulos “co-responderem” a esta herança, Jesus destaca duas atitudes: a acolhida e a observâcia dos seus mandamentos.

2.1. Um amor que acolhe

O primeiro compromisso de um herdeiro é receber a herança. Para Jesus, porém não basta receber. É preciso acolher como o expressa no final do Evangelho de hoje (14,21). À primeira vista acolher parece um exeercício de pouca significância, porque dá a impressão que seja algo passivo, que dispensa a iniciativa do recebedor. Esta impressão se deva, talvez, porque nós hoje supervalorizamos nosso agenciamento. É mais fácil agir, fazer o que a gente quer do que receber, acolher o outro. Acontece que nas coisas que transcendem o nosso humano meramente humano, como aqui, o amor de Deus, o mais importante não são nossas iniciativas, mas o empenho de abrir o coração a fim de que o mandamento do amor se encarne em nós, como outrora fez Maria diante da mensagem do anjo: guardava e ruminava em seu coração as palavras e os acontecimentos que diziam respeito ao menino (Cf. Lc 2,51).

São Francisco costumava exortar seus frades: “Façamos sempre em nosso coração e em nossa mente uma habitação e uma mansão para Ele que é o Senhor Onipotente, Pai e Filho e Espírito Santo” (RNB 22,27). Dizia, ainda que “o pregador deve haurir primeiro nas orações, feitas em segredo, aquilo que depois vai derramar em palavras sagradas. Tem de se aquecer primeiro por dentro, para não proferir para fora palavras frias” (2C 163). Frei Egídio, por sua vez, dizia que há alguém – Deus – doido para doar-se, mas há poucos dispostos para recebê-lo, e que, grande coisa não é receber dádivas, mas saber guardá-las. (DE 19). É que no amor, na caridade o que mais importa não somos nós, muito menos o que nós fazemos, mas o outro que vem e age em nós.

Portanto, a primeira exigência para sermos bons herdeiros do Senhor é permanecer no seguimento de suas recomendações e instruções – mandamentos – a ponto de se tornarem a alma de nossa alma, o sangue de nosso sangue,  jorrando da fonte da nossa  liberdade, como uma necessidade livre.

  • Um amor que observa

A fidelidade à aliança que Jesus nos oferece, porém, além de guardar e permanecer em seu mandamento maior – o amor como Ele ama – exige que o observemos.

Observar, pode significar tanto o empenho de investigar, auscultar, tomar conhecimento e reconhecer como o de realizar, cumprir, consumar, levar à perfeição. É, assim, tanto observação quanto observância. É ter na memória e guardar na vida. É ter na boca, mostrando por palavras, como mostrar com as obras. É receber no ouvido e seguir, numa realização concreta, cada vez singular, nas obras. Diz Agostinho: “o amor deve ser demonstrado com obras, para que seu nome não seja infrutuoso”. O amor, com efeito, como tudo o que é vida, é oculto em suas raízes, e se manifesta apenas em seus frutos, que, no caso, são as suas obras – as “obras do amor”. Desse modo, por ser movimento de vida, o operar, isto é, o pôr em obra o amor é algo assim como uma criação, uma gestação. O operar do amor é criatividade do espírito humano e concriatividade com a graça divina.

Segundo Santo Antônio, quem guarda os mandamentos, as palavras de Deus, fica repleto do Espírito Santo e começa a falar várias línguas que são os vários testemunhos de Deus: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência. E arrematava: “cessem, portanto os discursos e falem as obras” (Cf. Ofício das Leituras do dia 13 de junho).

O termo observar tem algo a ver com serviço, servir, ser servo numa atitude de atenção, vigilância e abertura.

. O Defensor, o Consolador, Espírito da Verdade

Diante da iminência de um abalo na fé, no seguimento e principalmente em guardar e em permanecer em seu amor, por parte dos discípulos, por causa da sua ausência, Jesus promete-lhes: “quanto a mim, eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Paráclito, que permanecerá convosco para sempre” (Jo 14, 16).

Hoje sabemos que Jesus estava se referindo ao Espírito Santo, que é chamado de Defensor como também de Consolador ou Paráclito. A palavra paráclito indicava a pessoa de confiança, boa fama, ilibada, merecedora de fé, que era chamada por alguém para estar ao seu lado quando levado a algum tribunal ou julgamento. Trata-se, portanto de alguém que consola ou conforta, que encoraja e reanima; alguém que intercede em nosso favor como um defensor numa corte.

Assim, os discípulos, que seriam, como Jesus, submetidos a um processo e a um julgamento (krísis) contínuo por parte do mundo, que os condenaria, como condenou a Ele, não ficariam sem defesa. Anteriormente, já havia alertado os Apóstolos acerca deste personagem e de sua função: “Quando vos entregarem, não vos preocupeis em saber como falar ou o que dizer: o que tiverdes de dizer vos será concedido naquela hora, pois não sereis vós a falar, é o Espírito do vosso Pai que falará em vós” (Mt 10, 19-20). Assim, Jesus lhes enviaria um “outro Paráclito”.

Mas, por que diz “outro Paráclito” e não, simplesmente, um “Paráclito”? Porque Ele, através de sua encarnação, morte na cruz e ressurreição, já é nosso primeiro Defensor, como diz São João: “Meus filhinhos, eu vos escrevo isto para que não pequeis. Mas, se acontece a alguém pecar, temos um Paráclito (defensor) diante do Pai, Jesus Cristo, que é justo. Pois ele é vítima de expiação por nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro” (1 Jo 2, 1-2). Agora, o outro Paráclito é “o Espírito da verdade, aquele que o mundo é incapaz de acolher, porque não o vê e não o conhece. Quanto a vós, vós o conheceis, pois ele permanece junto de vós e está em vós” (Jo 14, 17).

Este Paráclito é chamado de “Espírito da verdade” porque é Ele que sonda as profundezas de Deus (cfr. 1 Cor. 2, 10). Com efeito, “o que há em Deus, ninguém o conhece, a não ser o Espírito de Deus” (1 Cor. 2, 11). Assim, com a irrupção e a doação do Espírito, pelo Crucificado-Ressuscitado, chega à terra, ao coração dos homens e de cada criatura a verdade do próprio Deus. Assim, ninguém tem um deus tão próximo, tão íntimo como próximo e íntimo é para nós o nosso Deus (Cf. Dt 4,7).

. O Consolador que habita em nosso íntimo

Paráclito significa, porém, também e talvez antes de tudo, para os discípulos, alguém que consola e encoraja (do verbo parakaléo: chamar a partir de, provocar, no sentido de consolar e encorajar). Consolar é colocar-se como companheiro de quem está só. É confortar aquele que está desolado. É encorajar. O Espírito Santo é o outro consolador. O Pai é, para nós, consolador: é o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação. Por isso, São Francisco, na exposição do Pai-Nosso, ao evocar e invocar o Pai, diz: “criador, redentor, consolador e salvador nosso”. O Filho também é para nós um consolador: ele, por sua encarnação e pela sua Páscoa (paixão, morte e ressurreição), veio ao encontro de nossa desolação, tornou-se-nos companheiro na nossa solidão, e trouxe-nos a divina consolação e a alegria da vitória da vida sobre o pecado e a morte. O Espírito Santo também é Consolador. E o é de tal modo que reservamos o ser-consolador como um predicado apropriado para o Espírito Santo, embora seja próprio também do Pai e do Filho. Este Espírito, pois, estaria não somente ao lado dos discípulos como defensor e advogado no processo que o mundo move contra eles, no julgamento que o mundo estabeleceu contra Jesus e que estalece contra eles, mas também estará dentro deles como consolador nas desolações e encorajador nas tribulações. Por isso, Jesus continua dizendo: “Vós, porém o conheceis (o Espírito da verdade), pois ele permanece junto de vós e está em vós” (Jo 14, 17). O Espírito Santo, que habita em nosso íntimo, é o “pai dos pobres”, o consolador dos desvalidos, dos que choram e que não põem sua confiança a não ser em Deus, os humildes do povo (cfr. 1 Macabaeus 14, 14; 2 Cor. 7, 16). Embora também o Pai e o Filho sejam nossos consoladores, a consolação é destacada de modo especial na ação do Espírito. Na oração da sequência de Pentecostes, com efeito, a Igreja invoca o Espírito com as seguintes palavras: “Pai dos miseráveis, vossos dons afáveis dai aos corações. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio vinde. No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem, enchei ó luz bendita, chama que crepita o íntimo de nós. Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele…”.

. Uma presença inacessível ao mundo

Podemos muito bem imaginar o alívio e a alegria dos apóstolos ao ouvirem do próprio Jesus que Ele voltaria para ser e estar com eles. Mas, para que não se enganassem quanto a nova forma de sua presença, esperando uma presença terrena, meramente humana, como aquela a que estavam acostumados, faz-lhes este alerta: “Ainda um pouco e o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis vivo, e também vós vivereis” (Jo 14, 19). Será, pois uma presença nova, inteiramente diferente, nunca vista e acessível apenas a eles, jamais ao “mundo”.

Assim, Jesus, com o seu retorno para o Pai, não se separaria dos seus discípulos, apenas deles se ocultaria por um “breve momento”. Este breve momento, que, para os homens pode parecer longo, para o Deus eterno é sempre breve. Por isso, desde a perspectiva da eternidade de Deus, nunca deixa de ser verdade que Cristo virá em breve, mesmo que, para os homens, o tempo de seu ocultamento dure milênios.

Na verdade, os Discípulos já haviam recebido o Espírito de Jesus, através de suas palavras ouvidas e principalmente, através da convivência com Ele naqueles três anos de discipulado. Mas, logo mais lhes será dado de modo pleno, superabundante, transbordante porque a plenitude, a superabundância, o transbordamento, são próprios da gratuidade e da generosidade da fonte, de Deus. Deus jamais se dá em parte ou porções. Para São João Crisóstomo a explicação é a seguinte: “O Espírito Santo devia descer sobre seus discípulos de um modo mais especial, quando já os tinha purificado de suas faltas, quando o pecado já tinha sido destruído, e quando aqueles iam ser expostos a perigos e sofrimentos. Não imediatamente depois da ressurreição, a fim de que o recebessem com mais cúmulo de graças, por causa do maior desejo”. Assim, os cinquenta dias entre a ressurreição e a festa de Pentecostes é para aumentar neles o desejo de receber o dom do Espírito.

. O Espírito da Verdade no anúncio de Cristo e no surgimento das primeiras comunidades.

O que acabamos de ouvir no Evangelho como promessa vemos acontecendo na e pela pregação dos Apóstolos, principalmente na Samaria como vem relatado na primeira leitura de hoje.

A Igreja da Samaria foi a primícia da Igreja entre os povos da terra. Isso é bastante significativo: os samaritanos eram desprezados pelos judeus como “impuros”, tanto do ponto de vista do “sangue” – da raça – quanto do ponto de vista do “espírito”, isto é, da confissão e da prática da fé judaica. Sob o ponto de vista do sangue, da raça, porque haviam se casado e misturado com povos gentios. Já, sob o ponto de vista da religião porque sua fé não era mais ortodoxa, uma vez que seguiam muitas práticas procedentes de cultos dos gentios, num sincretismo com a fé judaica. Os samaritanos, eram, assim, duplamente discriminados pelos judeus: por questão racial e também por questão religiosa. Mas o mandamento do amor legado por Cristo faz cair as barreiras de discriminação entre os homens, criando uma comunidade universal (católica). O mandamento do amor é, com efeito, o princípio de uma nova humanidade na face da terra. É, na verdade, o nascimento da humanidade em sentido universal. Uma humanidade que reúne no amor todas as humanidades de toda a terra e de toda a história.

 É surpreendente, portanto, que o Evangelho encontre acolhimento justamente e antes de tudo junto dos samaritanos. As religiões se excluem mutuamente nas suas discordâncias sobre os dogmas e o culto. Por isso, samaritanos excluiam judeus e judeus excluiam samaritanos. Mas, Cristo, que é o homem de todos os homens, está acima ou na raiz de todas as religiões, une uns e outros, conduzindo-os para a adoração “em espírito e em verdade” do mesmo Pai. Assim, quando Pedro e João, representantes do “colégio apostólico”, impõem as mãos sobre os samaritanos e, assim fazendo, estes recebem o Espírito Santo, o que está acontecendo é o surgimento da Igreja católica, isto é, universal. Catolicidade, aqui, não é ortodoxia. Catolicidade é bem mais: é a universalidade concreta, que deixa ser o mistério como mistério nas diferenças dos povos, unindo-os na identidade do “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.

O livro dos Atos dos Apóstolos, que é lido intensamente durante o tempo da Páscoa, mostra como o Espírito do Amor, que desceu sobre Maria, os Apóstolos e um círculo de discípulos em Pentecostes, conduz os missionários a levarem o Evangelho de Jesus aos povos da terra. À medida que o Evangelho ia sendo acolhido, vai nascendo a Igreja Católica (universal), sacramento, sinal, na terra, da nova humanidade criada pelo mandamento novo de Jesus. É o Espírito que, também, defende os discípulos em seu confronto com o mundo, em que eles estão submetidos a um contínuo processo e julgamento (krísis). É o Espírito que os sustenta no seu testemunho (martyrion) de Cristo, o qual, muitas vezes, chega ao derramamento de sangue. Mas, como se dizia no tempo dos Padres da Igreja, o sangue dos mártires é semente de novos cristãos.

. Santificar em nossos corações o Senhor Jesus

Na segunda leitura de hoje, Pedro procura encorajar os discípulos espalhados pela zona rural da Ásia Menor em tempos de perseguição. Ele o faz iniciando com uma convocação um tanto estranha para nós: “santificai em vossos corações o Senhor Jesus…” Ora, como é que se santifica, se honra ou se glorifica alguém – na caso Jesus – senão guardando e observando seus ensinamentos, seguindo seus passos e exemplos, sofrendo como Ele – o justo – as difamações, os ultrajes dos injustos!? Esta santificação não acontece, porém, sem a ajuda do Espírito Santo, que é santificador dos discípulos – Espírito que restituiu Cristo à vida, na sua ressurreição.

Por isso, Pedro procura instruir os novos discípulos de Jesus acerca do novo procedimento que deviam adotar quando hostilizados pelo mundo, sobretudo quando chamados aos tribunais: que estivessem sempre prontos a dar a razão de sua esperança a quem lha pedissem. Ou seja: que estivessem sempre prontos para professar sua fé em Jesus Cristo crucificado-ressuscitado (1 Pd 3, 15).

Conclusão

A promessa de Jesus de voltar em breve para estar sempre com seus discípulos e assim tirá-los de sua orfandade significa, primeiramente, o início de uma nova criação, de um novo processo que se concluirá no fim dos tempos quando Ele, o Filho, voltará para entregar ao Pai todas as coisas e assim “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28). Enquanto isso, Ele está no meio de nós, com sua presença misteriosa, velada, como Verbo Inspirado, graças ao Espírito Santo. Está no meio de nós pela Igreja e pelos sacramentos, especialmente, pela Eucaristia, sacramento do seu santíssimo Corpo.

Esta presença atual e atuante, porém, se estende não apenas a todas as pessoas, de todos os povos e nações, mas também a toda a criação. “Assim, as criaturas deste mundo não se apresentam mais como uma realidade puramente natural porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que ele, admirado, contemplou com seus olhos humanos agora estão cheias de sua presença luminosa” (LS 100).

Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm